terça-feira, 6 de novembro de 2012

Preparando Missionários: DEPOIMENTO DE UM MISSIONÁRIO

DEPOIMENTO DE UM MISSIONÁRIO

"O que a mim me concerne o Senhor levará a bom termo; a Tua misericórdia, ó Senhor, dura para sempre; não desampares as obras das Tuas mãos" - Salmo 138:8
 
Aquela foi mais outra longa e cansativa viagem subindo o rio Içana em direção ao nosso lar, entre o povo Kuripako. Por quase duas semanas a pesada canoa feita de tronco de árvore, também denominada de "bongo", deslizara suavemente sobre as águas, levando, quase no limite da sua capacidade, suprimentos para vários meses.
Aquela jornada marcaria o meu retorno ao trabalho missionário, após um período de ausência. A minha querida esposa não pôde me acompanhar desta vez. Por motivo de saúde ela ficara, juntamente com os nossos três filhos, em Manaus para submeter-se a um longo tratamento. Sentado quieto na canoa, enquanto observava um grupo de índios que viajava comigo, alternando-se em narrativas de proezas das suas caçadas, todas pontilhadas de alegres gargalhadas, vinha-me à mente a recordação das lágrimas da minha Rute naquela difícil despedida no porto em Manaus: "Querido...”, sussurrara ela entre soluços, '. .. sei que sozinha e ainda me convalescendo, será um pouco difícil nestes dias, mas sei também que a graça de Deus me fortalecerá! Nós ficaremos bem! Cuide- se bem e vá!”
A expectativa dos meses de separação já produzia um indescritível sentimento de saudades, que só era amenizado por duas certezas: (1) estamos no centro da vontade de Deus, portanto Ele cuidará de nós e nos conduzirá em triunfo, (2) nos encontraremos no meio do ano, tendo os corações mutuamente fortalecidos em amor. Repentinamente, senti o soprar de uma suave brisa de alegria invadindo o meu coração, enquanto ecoava na minha mente as sábias palavras de um missionário de cabelos brancos: 'Marcelo, há um lema que rege a obra de Deus: Sem grandes sacrifícios não há grandes vitórias!"
À medida que penetrávamos no sombreado curso do rio Içana, com a selva se adensando cada vez mais ao nosso redor, crescia também no meu coração este espírito de entusiasmo e confiança em Deus pelo privilégio de serví-Lo com toda a minha vida. Confesso que não foi difícil descobrir que o ânimo que me impulsionava rio acima não tinha origem em mim mesmo, mas me era comunicado ao coração pela inconfundível e doce presença do Senhor bem ali ao meu lado.
Uma presença sensível, diante da qual fugira todas os medos, pensamentos superficiais e inquietações. Então compreendi claramente o significado desta promessa: 'A paz de Deus que excede todo entendimento, guardará os vossos corações e as vossas mentes em Cristo Jesus” (FIL.4:7).
Prosseguimos intrepidamente. Após passarmos uma curva do rio, avistamos uma área repleta de enormes rochas pontiagudas recortadas pelas aguas escuras do Içana. Estávamos nos aproximando da “Tsepã-hiipa-lico”, uma das perigosas cachoeiras que marca fronteira entre os territórios Baniwa e Kiripako. Ao tentarmos transpor dificultosamente aquela cachoeira, tivemos um instante de horror quando fomos quase tragados pela fúria das aguas que arremessavam violentamente nossa canoa sobre as pedras. “Oh, Deus! Ajude-nos, Senhor! Bradei em profunda aflição, agarrando-me nervosamente às bordas da canoa!
Neste instante divisei os índios acenando freneticamente as mãos e gritando desesperadamente uns para os outros. À proporção que a água invadia a canoa, um terrível pensamento assaltava a minha mente: "Estamos em grande perigo e vamos alagar na boca desta terrível cachoeira!"
Repentinamente, me veio também uma estranha sensação de resistência demoníaca, salpicando a atmosfera do lugar e intensificando nossa angústia. Mas, naquela mesma hora, a Bendita Presença que nos levara triunfantemente até ali, nos socorreu e nos livrou do perigo.
Com o coração batendo aceleradamente, lembrei-me do exército de servos de Deus que estavam intercedendo por mim naquela hora. "Querido Senhor, muito obrigado pela Tua misericordiosa proteção!"
E com os olhos marejados pela comoção, arrematei: "Eu creio que Tu levarás a bom termo o teu plano maravilhoso para as tribos da 'Cabeça do Cachorro'. Muito obrigado por fazer parte deste Teu plano!"
Por quanto tempo ainda as dificuldades deste mundo impedirão que muitas tribos perdidas ouçam da inefável graça de Deus? Por quanto tempo ainda nos intimidaremos ante as regiões sombrias onde impera total ignorância do Senhor Jesus Cristo? Será que nunca nos ocorreu que o Deus Todo-Poderoso vibra de entusiasmo ao ver a Sua Palavra alcançando os confins deste mundo? Será que nunca nos ocorreu que a nossa vida só tem sentido, quando se torna uma resposta aos grandes desafios missionários do coração de Deus? Estes pensamentos me abalaram e me fizeram perceber a insignificância da minha vida em face da grandiosidade da obra de Deus. E, orando baixinho disse: "Usa-me, Senhor, para produzir a Tua glória neste lugar, e para estabelecer o Teu reino nas tribos do vale do Içana!" Senti uma renovada vitalidade brotando dentro de mim e coroando minhas feições de alegria uma alegria que não era apenas minha!
Passado o clímax da emoção, um índio me informou que parte da nossa preciosa gasolina tinha sido tragada pelas profundezas do ']urupari" (cachoeira do diabo na língua nativa), porém o restante da bagagem, embora molhado, estava intacto. Também ninguém se machucara no incidente, exceto um índio que caiu sobre as rochas, porém nada grave. Isto era um milagre! Exultei de alegria e de gratidão ao Senhor! Sob os olhares atentos dos meus "marinheiros" louvei ao meu Senhor com um hino na língua indígena, enquanto prosseguíamos.
Ao nos aproximarmos das aldeias Kuripako exauriu-se todo o nosso estoque de gasolina e ficamos à deriva. Como estávamos numa grande e pesada canoa, prosseguimos com dificuldade num penoso processo de remar lentamente, contornando as inúmeras curvas do rio. Nisto o tempo tornou-se inclemente! O sol retirara a sua luz desaparecendo sob escuras nuvens! E, em questão de instantes, uma pesada chuva se abateu sobre nós. Afundamos vigorosamente os remos na água e resolutos avançamos contra o temporal, até finalmente atracarmos no porto de São Joaquim, nosso destino final.
A notícia da minha chegada rapidamente se espalhara por toda aquela região. Ao me aproximar da aldeia, todos os índios correram em minha direção para me saudarem com um firme aperto de mão. Em seguida, um alegre e barulhento cortejo conduziu-me até a minha casa, localizada na parte mais baixa da aldeia Keradaro.
Aquela tarde fria alimentava ainda mais a saudade da minha querida esposa, enquanto o enorme desejo de chegar em casa fazia desvanecer o cansaço daquela longa jornada. Mesmo sabendo que a minha família ficara para trás, assediava o meu coração a viva lembrança da minha querida aguardando ansiosamente a minha chegada, e nossas três crianças correndo a me abraçar! Porém, ao entrar, a cabana estava silenciosa e vazia!
O nosso fogão a lenha, exalando aquele saboroso cheiro das sopinhas quentes da Rute, agora estava coberto de pó e sujeira de morcegos. A cobertura de palha da casa, apodrecida, permitiu que a chuva, insetos voadores e hordas de morcegos entrassem produzindo enormes estragos. Subitamente, percebi o que significava estar tão longe da família. Seguido pela comitiva que me recepcionara, afastei-me da casa por um instante e num gesto quase imperceptível suspirei como- vido: "Oh, querida Rute, como eu gostaria que você estivesse aqui comigo!" Lágrimas quentes começaram a rolar na minha face, confundindo-se com a fria garoa que ainda caía sobre nós. Nisto acudiu-me um quadro de imensa ternura: Alexandre, um dos anciãos da aldeia acercou-se de mim, colocou sua mão sobre meu ombro e começou a orar com voz embargada: 'Você; meu Senhor, Você; meu
Deus santo, agradeço por trazer o nosso pai novamente para nós. Agora o meu coração está alegre porque posso ouvir a Sua Palavra da boca deste nosso pai ... ".
Foi a primeira vez que ouvi na língua nativa esta expressão carinhosa de tratamento para comigo. Com o coração abrasado e incandescido pela emoção, segurei-o pelo pescoço, puxei-o para junto de mim e choramos convulsivamente num misto de alegria, tristeza e saudades.
Assim é a obra missionária! Sozinho aqui no mato tenho aprendido grandes lições de dependência de Deus. Tenho aprendido que uma vida fácil que a si mesmo não se negue, nunca será uma vida de excelência nas mãos de Deus. O meu grande ânimo é saber que foi Ele quem me colocou onde estou e como estou.
Jamais procurei este lugar e posição para mim mesmo, todavia não tenho coragem de abandoná-Ia, Do âmago da minha alma eu me deleito no fato de saber que o Senhor fará a Sua grande obra na vida daqueles que habitam na "Cabeça do Cachorro", alto rio Içana, confins do Brasil .
Marcelo Pedro-Missionário da Missão Novas Tribos do Brasil

BENEDITO INÁCIO NETO

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