sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Damião e a zabumba.




Em Pernambuco, no Quarto Distrito Rural de Caruaru, numa feliz investida evangelística, Damião, um matuto morador daquelas bandas foi alcançado pelo amor de Deus. Um homem envolvido com os movimentos culturais de base, lá no Sítio Serrote dos Bois, zabumbeiro “marrudo”, “triangueiro” de marca maior, entregou sua vida a Jesus… Largou a “bebedice”, o cigarro, a jogatina, a prostituição, “deu de mão para o pecado”, “passou pra lei de crente”, pela graça de Deus se tornou uma nova criatura. Mas, ainda na alegria do primeiro amor, teve uma notícia que o deixou sem jeito. Um religioso, “cheio de boas intenções” o advertiu:- Damião, esqueça a zabumba e o triângulo. Daqui para frente você é um servo de Deus e Deus não gosta dessas coisas!Damião engoliu seco. A notícia bateu no seu coração como uma paulada. De forma que a situação entristeceu aquele “cabra” recém-convertido. Porém, como todo bom matuto, o sujeito ficou desconfiado com a história…- “Ôxente!” Onde é que tem isso na bíblia?Perguntou Damião a si mesmo. Então, começou uma busca bereana, de Gênesis a Apocalipse, procurava diligente onde era que tinha na Bíblia que tocar zabumba era pecado. Procurou, procurou e nada… Não havia nenhuma referência no Livro Santo, do repúdio de Deus aos seus queridos instrumentos musicais. Damião, convertido, se convenceu:- O irmão “tá” errado!Concluiu categórico. E a partir daí começou a tentar convencer seus líderes a deixá-lo fluir na condição de músico regional. Tentou daqui, tentou dali até que conseguiu dobrá-los. Resultado: Hoje ele toca sua zabumba, num grupo que ele mesmo fundou, chamado Banda Sertão Cristão Nordestino, junto com outros forrozeiros convertidos. Evangelizando seus vizinhos do Quarto Distrito Rural de Caruaru e tantos outros conterrâneos, da imensa região brasileira chamada sertão nordestino.De fato, Damião está com razão, tem fundamento as suas convicções, não há pecado em ser cristão contextual, mas onde começou toda esta história de que tocar zabumba e triângulo na igreja é pecado? Esta celeuma vem lá da origem da Igreja no Brasil. Muito embora seja inegável a importância que a igreja tem, ao longo da sua existência, como promotora de cultura, onde grandes pensadores, artistas, educadores, teólogos e tantos outros cristãos, têm contribuído com a cultura na qual estão ou estiveram inseridos. Particularmente, desde os nossos primeiros missionários, constatamos uma patente preocupação e zelo destes pioneiros evangelistas na instituição de estabelecimentos de ensino, que contribuíram, de forma profícua com o enriquecimento cultural de várias gerações (veja por exemplo, a criação dos colégios batistas e da escola Mackenzie). Por outro lado, boa parte destes mesmos pioneiros religiosos, rechaçou as manifestações culturais populares brasileiras, expressas por uma gama extraordinária de ritmos, folguedos, figurinos e tantos outros costumes e elementos que nos são peculiares (entre eles, por exemplo, o forró de Damião e sua zabumba). Como se estes homens, vindos de terras tão distantes, com tanta abnegação e obediência ao Pai, tivessem trazido na bagagem, além da Bíblia, a sua cultura. Sendo que a Bíblia eles pregaram com amor e a cultura eles impuseram com rigor.Ainda hoje, em muitas comunidades cristãs, notamos o mesmo empenho e esforço na promoção da formação acadêmica da sociedade na qual estão inseridas, fato que é louvável, mas infelizmente, ao mesmo tempo, inapropriadamente, estas mesmas instituições criam barreiras enormes, verdadeiras cortinas de ferro nas suas portas, deixando do lado de fora toda riqueza da cultura popular brasileira, e não só isso, tentam desestimular a Eclésia a fomentar quaisquer tipo de produção cultural que aponte no sentido do que é nosso.Talvez por zelo inadequado ou preconceito, a mensagem do Evangelho que rende tantos frutos, muitas vezes vem aliada, de maneira anacrônica, a exclusão de um culto contextual, moldado à nossa belíssima cultura. Somem-se a este fato, os esforços que são envidados em ensinos de falsos conceitos sobre o uso destes mesmos elementos fora do ambiente eclesiástico. Desaconselhando a igreja a não se envolver com “coisas” como a zabumba e o triângulo de Damião. De forma que, as mesmas pessoas que têm enriquecido a tantos com o ensino da graça redentora de Cristo e na formação acadêmica dos seus seguidores, atuam empobrecendo o meio em que vivem, pelo afastamento das nossas expressões culturais de raiz. Sucedendo que a mesma igreja que constrói grandes estabelecimentos de ensinos e belas catedrais, ao mesmo tempo moldou estas instituições à cultura estrangeira. (leia-se: principalmente, americana e européia).Que grande desperdício! Um lamentável equívoco, que ainda hoje encontra seio, entre muitas igrejas históricas. Onde a definição do que é sacro e do que é profano, se confunde entre o que é americano e o que é brasileiro, entre o que é britânico e o que é tupiniquim, entre o que é popular e o que é erudito. E vai caminhando assim, patinando na lógica e na razão, se fechando radicalmente a tudo o que é próprio do nosso povo, com se a graça comum fosse incapaz de alcançar nossa querida nação brasileira, ou como se o dom criativo popular fosse propriedade do pecado, ou “coisa do capeta”, como se Deus fosse apenas, Deus para os eruditos.Porém, como todo movimento reacionário incita uma manifestação contrária, esta “clausura cultural cristã”, parece ter suscitado, principalmente, entre os neo-pentecostais, uma nova comunidade disposta a quebrar paradigmas, a romper de vez com o tradicionalismo, que impôs limitações a produção cultural. Porém, esse contra-movimento, veio com tanto ímpeto que, em muitos casos, ultrapassou as raias do bom senso, caindo no outro extremo, fato que não é difícil se verificar. Veja quantas expressões culturais que conflitam com a Palavra de Deus têm sido corrente no nosso meio. Muitos dos “nossos” cultos, por exemplo, estão impregnados da cultura afro-religiosa, extrapolando todos os limites do sincretismo. É só ligar a televisão e o que se vê, na maioria das vezes, é um Pr. vestido de pai de santo promovendo sessões de descarrego, ou culto da rosa ungida, entre outros e outros descaminhos.O uso inconseqüente da cultura popular tem dado uma contribuição significativa ao enfraquecimento do evangelho vivido atualmente na igreja brasileira. É onde zabumba de Damião pode se tornar nociva. Quando ela é tocada para fazer a moçada dançar forró. Quando de ferramenta a serviço do Reino, passa a ser um instrumento a serviço da indústria (riquíssima) do entretenimento gospel. A qualidade do que se canta, do que se dança e das peças teatrais, muitas vezes, tem se tornado questionável, pois a base bíblica das letras e dos textos empregados tem dado lugar, desnecessariamente, ao popularesco inócuo. Neste caso a igreja faz um desserviço à cultura e principalmente ao Evangelho.Fazendo uma leitura rápida do Evangelho, de como Jesus se comportava diante da cultura que ele vivia, é notória a sua naturalidade a esse respeito. Ele era um cidadão comum, nem fugia dela, nem tão pouco a exaltava. Ele simplesmente vivia dentro do contexto cultural da época. Quando falava aos pescadores, suas narrativas eram dentro deste contexto cultural. Aos agricultores, suas parábolas eram sobre agricultura. Quando se dirigia aos religiosos Ele usava as Escrituras Sagradas com habilidade e conhecimento. Em meio aos doutores era um erudito que encantava desde a adolescência. Jesus cantava as músicas que todos cantavam, usava vestes iguais a que todos se vestiam, comia o que todos comiam, ia a festas como todo mundo ia… Um homem inserido no meio do povo, de tal forma que para que os que vieram prendê-lo pudesse o reconhecer, foi combinado um sinal, um beijo.Que nós aprendamos com o Mestre, que não tenhamos medo da cultura a ponto de castrá-la, nem tão pouco a utilizemos a serviço do besteirol ou do mercado, fatos tão comuns atualmente. Há uma mensagem maravilhosa a ser pregada. Milhões e milhões de pessoas precisam saber das boas novas. Damião com sua zabumba tem usado este veio maravilhoso, tantos outros discípulos de Jesus têm trilhado nesta mesma direção e produzido com sucesso. Que a igreja possa utilizar com racionalidade de toda riqueza cultural que dispomos, para glorificar a Deus e fazê-lo conhecido entre as nações.

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